O paraíso é agora (ou nunca)

Num dos seus livros, o neurocientista David Eagleman especula sobre quarenta cenários depois da morte. Em um dos cenários, acordamos num mundo igual mas aparentemente vazio de pessoas. Lentamente apercebermo-nos de que algumas pessoas existem, apenas aquelas com quem lidamos frequentemente em vida, os nossos conhecidos. Que alterações faríamos em vida se assim fosse e o soubéssemos?

Que triste seria a vida depois da morte de quem dedica grande parte do tempo a lidar com alguém que não partilha e reforça as suas perspectivas ou que, discordando, não o faça com inteligência e sensibilidade e por isso não caiba no mundo que projectamos no nosso íntimo. E que cruel reviver tudo isso depois de morrer. Que triste desperdiçar duas vidas, tendo falhado apenas numa.

E ainda assim, talvez essa crueldade e tristeza não chegue a espelhar a gravidade de uma oportunidade desperdiçada. E uma vida apenas é desperdiçada se falharmos aos nossos padrões e valores, à nossa intuição, por conveniência, vícios, receios ou simples dormência.

Que melhor castigo pela falta de empenho em juntar em vida massa crítica às nossas ideias, um empenho que tornaria afinal irrelevante o que se passa depois dela, já que teríamos passado pelo paraíso agora.

Que melhor motivação para minimizar, se não para eliminar, a interacção com quem dispensaríamos no fundo cruzarmo-nos e a quem permitimos interromper a nossa singular oportunidade.

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