Os miseráveis perguntam quanto tempo falta

Quanto tempo se demora a fazer algo? Leonard Cohen demorou anos para terminar algumas das suas letras e há o chef que demorou seis para aperfeiçoar um prato antes de o servir. O primeiro tornou-se imortal e o segundo pôs nas bocas uma das poucas memórias que levamos connosco quando já cá não estivermos. Ambos tiveram enorme sucesso financeiro. Por que nos apressam então?

Toda a gente quer tudo para ontem e ontem situa-se cada vez mais no passado. Uma entrega numa hora, um relatório numa tarde, uma casa num ano, uma tese de doutoramento em dois. E apesar disso, em geral nada disto importará em breve. A coisa entregue ficará encostada a um canto, o relatório de nada servirá, a casa será só uma inevitável lembrança da hipoteca e a tese pouco contribuirá para o bem comum.

Esta ansiedade e fixação em minimizar o tempo para concretizar algo é uma negação da singularidade do ser humano, uma negação da capacidade de criar algo original e inovar, de fazer arte e de atingir o nirvana no detalhe. É também ignorar que o processo, e não apenas o fim, pode ser apreciado. O filósofo Allan Watts defendia isso mesmo, que na sua essência viver é um acto lúdico, não objectivo. Se ser mais rápido e concretizar uma maior quantidade de coisas fosse aquilo que lucidamente valorizamos, os maiores compositores seriam conhecidos pelas suas sinfonias de um só acorde, um só compasso.

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